A gente morre amanhã — por Carlos Carvalho

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#010 - Amar e mudar as coisas

agentemorreamanha.substack.com

#010 - Amar e mudar as coisas

Palavras antiquadas, mas é nossa última dança

Carlos Carvalho
Nov 17, 2022
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#010 - Amar e mudar as coisas

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“(...)
um dia você diz que me a****
eu a****-te
no dia seguinte
a amendoeira se expande
e floresce cinco folhas mais
nesse dia reparo
que estamos contribuindo
você e eu
para o florestamento
da cidade
de duas cidades
faço voto de silêncio
mas na sacralização horária
da respiração eu penso
que apesar da sala de cassino
abrigo da gigante roleta do medo
apesar dos golpes de gmt -3
apesar da fita de seda que fica
ondulando sua medida de 7800 km
estamos dando utilidade ao amor
alargando os braços das amendoeiras
alargando os braços dos jacarandás
partindo as inúteis linhas de fronteira
e fazendo do mundo
a gigante floresta.”

“Rio de Janeiro - Lisboa” - Matilde Campilho, “Jóquei”

Esta é a tentativa número 74 de escrever uma nova newsletter. Sabe quando a gente é criança e deseja muito que algo aconteça e aí quando ela acontece a gente não sabe direito como lidar com aquilo e fica perdido, sem saber exatamente o que fazer? Parece um pouco a sensação que venho sentindo desde que o Lula botou nazista pra mamar venceu o Bolsonaro no último dia 30.

Parece que tanta coisa boa aconteceu nos últimos quase vinte dias que nem parece que nos últimos quatro anos o governo trabalhou para matar mais de 700 mil pessoas só de Covid, deixou 33 milhões à beira da morte com fome e nos fez acordar todos os dias desde então com um choro entalado na garganta e um ódio como nunca antes na nossa vida havíamos sentido.

Me lembro que no dia seguinte à vitória DESSA DESGRAÇA em 2018, senti que precisei engolir o meu choro pra dar suporte a uma amiga que não conseguiu conter o dela quando a gente se encontrou no trabalho. Foram quatro anos de amigos e familiares chorando de raiva, de dor, de tristeza. Mas no último dia 30 a gente chorou de alívio e de alegria. Pela primeira vez em quatro anos.

Eu saí pra comemorar com amigos que também sofreram durante esse período, e a gente se abraçou e viveu uma euforia coletiva que só quem não pôde abraçar ninguém por dois anos, no meio desses quatro intermináveis e amaldiçoados, pôde sentir.

Enfim, nem era pra ser uma newsletter sobre esse assunto, mas como falei no começo, não sei se estou sabendo como lidar, e também não sei sobre o que era pra ser, nem se era pra ser algo. De toda forma, está sendo. E durante essas três semanas em que acordamos com Luiz Inácio Lula da Silva como PRESIDENTE ELEITO senti que parte do ódio que sinto pela maldita família, e que tomava quase que por completo meu peito, foi substituído por sentimentos mais leves.

Nesse mesmo dia da comemoração, me peguei emocionado com uma pessoa querida dizendo que sempre que sai de casa coloca a mão na porta e pede pra deus cuidar do seu gato. Meu ateísmo ortodoxo saiu pra comprar cigarro nesse momento e aproveitei pra torcer pra que de fato esse gato lindo fosse cuidado por algo maior e especial. Achei bonito o que ouvi.

Teve também, nesse intervalo entre a última newsletter e a atual, minha ida ao Privamera Sound, onde assisti a uma meia dúzia de shows ótimos, com destaque pra Mitski, que conheci lá, Phoebe Bridgers, que conheci há alguns meses e passei a amar, e Lorde, que conheço e gosto há anos, mas que subiu ainda mais no meu conceito depois da grandiosidade dela em cima do palco. Não vou falar muito mais sobre o quanto shows são energizantes, porque eu já fiz uma newsletter inteira falando sobre shows.

Derramei um pequeno rio de lágrimas por uma porção de coisas importantes e outras sem importância alguma nesses dias, mas fiquei feliz que a maior parte delas não foi por desespero de ter nascido contemporâneo de um grande nazista que se tornou presidente de um dos maiores países do mundo. (Eu não vou superar isso nunca, me desculpa).

Ainda nessa leva de infinitas e belas coisas desse outubrovembro, rolou mais uma Mostra de Cinema em São Paulo. O evento que é minha oktoberfest, meu carnaval, minha peregrinação a Meca, mas há anos vinha abalado por alguns fatores, o principal deles, obviamente, a pandemia. Nos reconciliamos, porém ainda de um jeito um tanto quanto morno.

Não sei dizer se dei um pouco de azar na curadoria que fiz pra mim mesmo, mas foram poucos os filmes que me fizeram ter vontade de gritar CINEMA! no meio da sala. Por sorte, acho que fechei minha Mostra com chave de ouro, mas já na repescagem (período extra de uma semana com algumas sessões a mais de alguns filmes): “Aftersun”, estreia da diretora Charlotte Wells, mexeu comigo como nenhum outro no evento, e como apenas “Marte Um” e “Licorice Pizza” fizeram esse ano.

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Um pai e uma filha, de cerca de 10, 11 anos. Férias em um resort sem muito luxo. Apenas os dois vivendo esse breve momento antes dela retornar pra sua vida com a mãe, separada do pai. E um universo inteiro de sentimentos. Registros de momentos aparentemente banais com uma câmera caseira. A persistência da memória. A magia dos afetos.

Eu ainda não sei bem o que dizer sobre esse filme. Ele é tão, e eu tão pouco. Ainda não sou capaz. Nem sei se serei. Talvez nem tenha importância dizer também, basta sentir. E pra mim ele bateu como se fosse um grande algo dentro de mim prestes a explodir, mas que nunca explode. Uma pressão enorme. Talvez eu precise dar a mim mesmo mais uma chance. Talvez a gente precise dar ao amor mais uma chance. 

Ao que tudo indica, ele chega aos cinemas no próximo dia 1º de dezembro. Se puder, veja. Leve lenços.

Tem mais um monte de coisa que eu queria dizer. Mas vou deixá-las assentarem um pouco mais. Quem sabe não volto em breve. Até lá, faça do mundo a gigante floresta.

Ame e mude as coisas. Isso interessa mais.


Eu ainda não sei se ando fazendo sentido, se isso aqui faz algum e se um dia fará. Não tenho planos maiores, não há um formato muito bem definido e sequer uma frequência garantida, de modo que não consigo entender por que você ainda continua aí do outro lado me lendo, e às vezes até respondendo (adoro, por favor, faça sempre que puder). Mas obrigado pela perseverança.

Por hoje, é isso. Um beijo e até a próxima!


Arte: A Dança, de Henri Matisse. (lá no topo)

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