#000 - Escrever como quem vai morrer no dia seguinte
A gente morre amanhã.
Essa frase me veio há uns dias no meio de um tuíte sem qualquer pretensão, no qual escrevi falando sobre os shows do David Gilmour no Brasil terem ocorrido há quase sete anos, em 2015. Comentei que o tempo passa rápido demais e que a gente morre amanhã, nessa ideia de que a vida é passageira, um sopro, e a qualquer momento podemos estar por aqui e no segundo seguinte, como diria Saramago, não mais estarmos.
Achei que a frase tinha uma certa potência, e que inclusive dialoga com uma ideia de tatuagem que venho tendo justamente em homenagem ao Pink Floyd, que usa como referência a canção “Time”, do álbum “The Dark Side of the Moon”, mas divago… a conversa é outra: esse é o nome que escolhi dar a essa nova newsletter.
A real é que venho já há algum tempo também pensando em voltar a escrever e compartilhar essas coisas com as pessoas. Um blog? Já tive muitos, e nem estamos em um período onde eles recebem o valor que merecem. As pessoas amam ler, mas as redes sociais mataram a cultura dos blogs. A Juliana Cunha escreveu sobre isso aqui. A gente está (será? ainda?) mais numa fase newsletter, e eu mesmo já tive uma que durou algumas edições e morreu de inanição, como tudo aquilo no qual me engajo por um certo tempo. Estejam preparados, e aproveitem enquanto durar, pois essa também pode morrer amanhã.
Além do flerte com a finitude da vida, esse título me remete àquela máxima “a gente morre e não vê tudo”. E acho que também combina um pouco com o que talvez pretenda fazer por aqui, e como fiz na newsletter anterior. Talvez seja um espaço no qual além de compartilhar o que estiver pensando no momento, vou dar dicas, sugerir coisas ou simplesmente relatar o que ando vendo, lendo, ouvindo… eu gosto desse lance de curadoria, embora eu não saiba se sei exatamente fazer isso.
Mas tem uma parada na curadoria que acho interessante que é o fato de que rola uma espécie de alinhamento entre o curador e os espectadores (é assim que a gente chamaria?) dela. Obviamente, muitas vezes a gente vai atrás de algo porque a coisa em si nos interessa, mas não é raro que a gente tenha os nossos “curadores de estimação”, aquelas pessoas em quem a gente confia no gosto, ou nas recomendações, que servem de norte pra que a gente decida o que ver, ler, assistir, visitar, comer etc. A gente gosta de curadoria porque ela nos poupa o tempo da procura por conta própria.
Talvez eu me encaixe um pouco nesse quesito, porque algumas pessoas eventualmente me dizem que gostam das coisas que eu recomendo. Aliás, não necessariamente gostam do objeto da recomendação, mas da indicação em si. É como se confiassem no meu faro pra essa curadoria, que eventualmente pode não agradar, mas que no geral acaba combinando com o que pode interessar àquela pessoa.
Enfim, já estou me alongando demais. Isso aqui é pra ser só um texto de apresentação (meu deus, quantos desses eu já fiz na vida!) de mais um novo projeto, fadado ao fracasso, como todos os outros. Mas como costuma dizer o Paulo César Pereio, “o fracasso nunca me subiu à cabeça”. Eventualmente –ainda não sei a periodicidade disso–, você deve receber em sua caixa de entrada uma nova edição dessa newsletter com comentários sobre qualquer coisa que eu quiser falar e recomendações sobre outras tantas.
Se quiser falar comigo, pode me procurar no Twitter e no Instagram por @camaradacharlie, e no Letterboxd (aquela rede social divertida dos cinéfilos) por Carlos Carvalho, ou responder esse e-mail com a sua cartinha. Inclusive, me mandem e-mails, eu adoro!
No mais, muito em breve você receberá a primeira edição oficial desse treco. Pretendo não me demorar. Obrigado pela confiança da assinatura, por me permitir ocupar um tempo da sua vida com essa leitura.
A edição #000 (zero) dessa newsletter é dedicada ao ex-chefe e bom amigo (embora essa amizade tenha se concretizado mais no trabalho e nas redes sociais que “na vida”) Thiago Blumenthal. No início da minha vida no jornalismo, ele foi um dos meus maiores incentivadores. Acreditou em mim quando eu nem ao menos tentei. Tivemos excelentes conversas, me ensinou muita coisa e me deu ótimas dicas e recomendações. Essa semana, pensei muito nele, por uma série de coincidências. Queria muito que ele pudesse ler esse exercício.
O Thiago era um cara brilhante, com uma inteligência e um conhecimento absurdos, e um humor muito peculiar. Em qualquer conversa banal ele era capaz de fazer alguma referência a Proust, Kafka ou ao KLB. Era preciso estar preparado pra qualquer coisa, inclusive pra se irritar um pouco com ele. Há cerca de um ano e meio, sem que pudéssemos nos preparar –como se isso fosse possível–, Thiago nos irritou pela última vez: morreu jovem.
A gente morre amanhã.
Artes
A Persistência da Memória, de Salvador Dali; (lá no topo)
maré-cheia, de saudade, de Susano Correia.
Eu adorei o título da newsletter, mas confesso que vou acompanhar por aqui, como se fosse um blog :) não me adaptei às newsletter e acabaram se tornando mais uma maneira de lotar minha caixa de e-mail de coisas que jamais lerei, mas que bom que posso seguir aqui tendo o link. Vou adorar te ler. E, ah, eu sou uma das que adoram suas recomendações, especialmente de filmes!
Obrigada, também, por ter me lembrado o quanto eu também sinto saudade de escrever, só escrever, sem pensar muito em quem ou quantas pessoas irão ler. Isso é bom demais e faz uma baita falta, né?
Beijo,
Rafaela.
A gente morre hoje à noite. Hoje à tarde, na hora do almoço, se distrair. Quem sou eu pra dizer que não é um milagre não ter sido hoje de manhã. O presente é uma esquisitice que vira passado ao mesmo tempo em que acontece. O que está de fato acontecendo ao vivo? Sei lá. Mas é legal que, em um presente (que acabou de virar passado), eu parei pra ler um escrito que me pegou de volta num momento (presente?) em que eu precisava. De quê mesmo que eu precisava? Preciso? Já não sei e nem sabia. Mas foi bom. E seguimos. Vida longa e morte súbita pra gente, meu amigo. É bom te ler.