#013 - A arte existe porque a vida não basta
Esses são Os Melhores do Ano na categoria... CINEMA!
Sophie: Acho legal que compartilhemos o mesmo céu.
Calum: Como assim?
Sophie: Tipo, às vezes, na hora do recreio eu olho para o céu, e se consigo ver o sol, penso no fato de que ambos podemos ver o sol. Então, mesmo que não estejamos no mesmo lugar, e não estarmos mesmo juntos, nós meio que, de certa forma, estamos, sabe? Nós dois estamos sob o mesmo céu, então estamos meio que juntos.
“Aftersun” - Charlotte Wells
Provavelmente nem todo mundo que me lê aqui sabe, mas já escrevi sobre cinema. Na vida, profissionalmente etc. Nessa época, eu costumava fazer o que muita gente faz por aí: listas de melhores do ano. Mesmo depois de ter parado quase que totalmente de escrever sobre o assunto, ainda fiz uma ou outra dessas listas, mas nos últimos tempos não andava muito animado pra isso.
Tenho dificuldade com ranquear as coisas. Às vezes até consigo selecionar uma quantidade x de elementos pra uma lista, mas colocá-los numa ordem é quase sempre um parto. Mas enfim, ao longo de 2022 tentei minimamente me organizar pra que pudesse fazer ao menos uma lista de melhores filmes do ano.
Na cinefilia (ainda bem que não sou cinéfilo rs) há sempre uma grande discussão sobre os critérios para elaborar essas listas. Se se consideram apenas filmes lançados comercialmente no país, se podem ou não entrar filmes exibidos apenas em mostras e festivais, se um filme do ano anterior que estreou aqui com atraso faz parte da lista desse ano ou do seu ano de lançamento oficial em seu país de origem, e também se vale encaixar mais de um filme por cineasta, se precisa ser um número x ou y, se é permitido menções honrosas…
Enfim: cinéfilo é chato. Mantenha distância!
De toda forma, fiz a minha lista, cujo critério básico é: ser lançado comercialmente (ou seja, se foi exibido apenas em mostra ou festival, não entra) pela primeira vez no Brasil em 2022, podendo ser nos cinemas ou em plataformas de streaming e VOD.
Mas antes de apresentar meus filmes favoritos do ano, queria destacar, sem ordem de preferência, algumas cenas que considero terem sido aqueles momentos em que o cinema mostra pra gente o porquê dele ser CINEMA e faz a gente ter vontade de correr na frente da tela e gritar CINEMA!
A “cena da dança/Under Pressure”, em “Aftersun”
Há cineastas que passam a vida inteira e não conseguem fazer uma única cena realmente memorável, mas há quem faça uma porção delas logo em seu primeiro filme. Esse último caso é o de Charlotte Wells, que em sua estreia nos presenteou com uma obra sensível, emocionante e que perdura com a gente por semanas e semanas.
Ao longo de “Aftersun” vemos a relação de Sophie (Frankie Corio) e seu pai, Calum (Paul Mescal), durante uma viagem de férias. E essa cena em específico é cheia de significados explícitos e nas entrelinhas dessa história. Um encontro entre presente e passado, resquícios de memória, saudades, uma última dança, o desejo de mais uma última chance (pra fazer diferente?), “por que não damos ao amor mais uma chance?”, canta Freddie Mercury... “Aftersun” me deixou perturbado. A vida é o que a gente vive ou o que a gente lembra de ter vivido? Somos imortais enquanto há memória? E se não a temos, deixamos de existir? Muitos pensamentos. Filme gigantesco.
A “cena congelada” em “A Pior Pessoa do Mundo”
Esse filme do norueguês Joachim Trier é mais uma dessas obras que tenta retratar uma espécie de espírito do nosso tempo e falar com a geração millennial. Creio que fale ainda mais forte com as mulheres, por conta da protagonista, Julie (a ótima Renate Reinsve), e de seus dramas. Nessa cena, Julie se vê em uma relação da qual muito provavelmente não quer mais fazer parte, e se vê tentada a buscar em outra pessoa o que talvez sinta que esteja lhe faltando na relação atual. Em um desses momentos em que o cinema se faz cinema, o mundo congela para que Julie faça o que ache que tem que fazer, com quem tem que fazer. Nesse momento, nada mais importa além do que ela busca, e por isso nada mais se move. E a vida só volta a fluir quando ela sente que sua decisão está tomada. Só o cinema, meus amigos.
Quando Tom Cruise mostra que “é possível”, em “Top Gun: Maverick”
Pra mim, o blockbuster do ano, sem a menor dúvida. O “filme de navinha” que é sequência do mediano “Top Gun”, de 1986, é tão bom que engrandece o primeiro, mas se destaca especialmente por retomar um tipo de épico de ação que vemos pouco hoje em dia, com uma produção marcada por filmes medíocres de super-heróis. Nessa cena em específico, Maverick ensina a seus alunos “como é que se faz”, e em uma cena eletrizante (hehe olha a Sessão da Tarde aí) deixa a gente preso à cadeira acompanhando seus feitos em um caça pilotado pelo próprio Tom Cruise (ele ainda vai morrer fazendo filme).
Mais do que dar seu próprio show se exibindo para pilotos mais jovens, Maverick devolve a seus alunos a confiança para que eles consigam realizar o que sequer em treinamentos haviam conseguido, ao mesmo tempo em que mostra a seus próprios superiores o porquê ele é bom o bastante para ser o segundo melhor (risos) Top Gun de que se tem registro. É o cinemão em seu mais bruto estado.
A “cena da corrida”, em “Licorice Pizza”
Pra mim, hoje, Paul Thomas Anderson é o melhor autor do cinema americano das últimas três décadas. Desde que ele surgiu, em meados dos anos 1990, acho que não há outro cineasta estadunidense que conte histórias tão bem e de maneira tão regular quanto ele. O homem só faz filmaço, e “Licorice Pizza” se tornou meu filme favorito dele (o que sempre acaba mudando), especialmente por mostrar uma história que se costuma chamar de coming of age, uma jornada de crescimento, de adultecer.
Aqui, ele mostra dois jovens, Alana (Alana Haim) e Gary Valentine (Cooper Hoffman), que se cruzam, se conhecem, se apaixonam, mas cada um está em uma fase da vida, com características muito particulares de cada uma dessas vidas, e que possivelmente poderiam (e irão) atrapalhar esse romance, inclusive a diferença de idade entre eles. Ao longo de todo filme, antes e depois da cena que destaco, os personagens correm pra lá e pra cá vivendo suas histórias e se cruzando como podem. Mas nesse momento, logo após Alana ir até uma delegacia para resgatá-lo de uma prisão injusta, eles saem correndo de lá, na mesma direção, como se ali tivessem se escolhido de uma vez por todas, ainda que haja idas e vindas nessa jornada. Às vezes a vida é um grande pra lá e pra cá desenfreado, e os momentos que ficam, mais que os encontrões, são os que se correm lado a lado com quem você escolheu.
A conversa entre Deivinho e Eunice, em “Marte Um”
Esse é meu filme brasileiro favorito do ano, o escolhido para representar o país em uma (não mais) possível vaga no Oscar 2023. A cena em que os jovens irmãos conversam sobre os sonhos do menino antes de irem dormir foi um dos momentos que mais me emocionaram no cinema no ano passado. A cumplicidade entre os dois, o acolhimento da irmã mais velha ao caçula, a sinceridade entre ambos e a sensibilidade desse diálogo me arrancaram incontáveis lágrimas na sala de cinema.
E é impossível não relacionar esse filme com os momentos políticos do Brasil tanto na época em que ele foi produzido (início do governo Bolsonaro) como quando foi lançado (fim do mesmo governo). “Marte Um”, que também comentei na edição #009, guarda em sua essência um período que nos foi roubado, de sonhos e realizações, mas especialmente de sonhos. Mas parece que nesse sentido as coisas voltaram a dar certo e a gente está novamente se permitindo sonhar. E o que não der pra realizar, a gente vai dar um jeito.
E agora, que rufem os tambores… os 20 melhores filmes do ano são:
Aftersun, de Charlotte Wells
Marte Um, de Gabriel Martins
Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson
Top Gun: Maverick, de Joseph Kosinski
O Acontecimento, de Audrey Diwan
A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier
RRR, de S. S. Rajamouli
Moonage Daydream, de Brett Morgen
Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi
Crimes do Futuro, de David Cronenberg
Benedetta, de Paul Verhoeven
Emergência, de Carey Williams
A Ilha de Bergman, de Mia Hansen-Løve
Até os Ossos, de Luca Guadagnino
Avatar: O Caminho da Água, de James Cameron
Pinóquio, de Guillermo Del Toro
A Mulher-Rei, de Gina Prince-Bythewood
Racionais MC’s: Das Ruas de São Paulo pro Mundo, de Juliana Vicente
Não, Não Olhe, de Jordan Peele
Titane, de Julia Ducournau
Pós-créditos… se a Marvel pode, por que eu não?
Já há alguns anos venho realizando o “desafio” (nome péssimo) #52FilmsByWomen, que consiste em assistir a pelo menos um filme dirigido ou codirigido por mulher por semana, de modo que chegue a esse número de 52 por ano. Em 2022, vi 55, dos 208 totais… algo em torno de ¼ das obras.
Acho que ainda não é o ideal, mas talvez seja um bom número se a gente parar pra pensar que mulheres têm menos oportunidades de dirigir mesmo e que a maior parte dos filmes ainda são realizados por homens. Como vocês já viram, meu filme favorito do ano foi dirigido por uma mulher, e seis delas aparecem entre os 20.
Enfim, todos os filmes dirigidos por mulheres a que assisti no último ano estão compilados nessa lista aqui, que pode servir de referência pra quem está buscando o que ver. No meu Letterboxd você também encontra as listas dos outros anos.
Você também encontra por lá os filmes que assisti na última Mostra de São Paulo. Eles estão todos nessa lista, sem organização de preferência, mas estão todos com nota, então talvez sirva como parâmetro de comparação. No total, foram 19 longas, um curta e uma minissérie vistos em duas semanas de festival. Foi divertido voltar à Mostra, que é um evento que gosto muito. Que venha a desse ano!
A revista britânica Sight and Sound compilou em 2022 a sua aguardada lista de melhores filmes de todos os tempos, que é divulgada a cada 10 anos e que na edição de 2012 consagrou “Um Corpo que Cai”, do Hitchcock, como número 1, desbancando “Cidadão Kane”, que liderava a mesma lista há uns 50 anos, se não me engano.
Dessa vez, em 2022, mais uma mudança surpreendeu muita gente e “Jeanne Dielman”, da Chantal Akerman, tomou o primeiro lugar de Hitchcock e o empurrou para o segundo lugar, o que deixou alguns cinéfilos (eu já falei pra manter distância de cinéfilo?) meio bravos. Ora, veja só, esse filme aí dirigido por uma mulher… Veja “Jeanne Dielman”, é maravilhoso, assim como outras obras da Chantal Akerman. Eu cheguei a citar alguns filmes dela na edição #001 dessa newsletter. Dito isso: como muita gente, também brinquei de fazer uma lista minha de 10 melhores filmes de todos os tempos, caso eu fosse votante da Sight and Sound. Você pode conferir aqui.
Por conta de “Licorice Pizza”, reassisti a todos os filmes do Paul Thomas Anderson para também fazer um ranking (e eu tinha dito que tinha dificuldades, né? rs). Você pode ver isso aqui.
No comecinho do ano passado, também por conta de um lançamento, dessa vez de “Pânico 5”, que eu gostei, ao contrário de muita gente, também reassisti à série toda do assassino-trapalhão-fantasiado-de-morte, e adivinha? Isso mesmo, também ranqueei os filmes todos da franquia.
E por algum motivo que não sei qual foi, decidi assistir a todos os filmes da franquia “Férias Frustradas”. Alguns foram bastante presentes na infância, outros eu vi pela primeira vez. Encarei essa empreitada para que você não precise fazê-la, porque foi sofrido. Os filmes são piores do que eu me lembrava, infelizmente. Eis o ranking dessa bobajada.
Por hoje, é isso. Mas pelos próximos 4 anos, é Luiz Inácio Lula da Silva presidente do Brasil!
Um beijo e até a próxima!
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